A vida e a obra de António Alçada Baptista estão profundamente ligadas aos valores da liberdade e à cultura dos afectos. A vida foi uma das suas grandes obras e, através da obra escrita, exprimiu, de forma única, a vida. Por isso, a sua mensagem está tão presente e a sua obra será sempre actual. Singular, mas não solitário, a vida não lhe passou ao lado. A memória do saudoso convívio e o testemunho que deixou na diversas obras publicadas avivam a lembrança. Neste sentido, Pesca à Linha é um livro sempre a reler, onde evoca os marcos da sua história pessoal e do seu tempo, a sua “teia de afectos”, as “cumplicidades”, os “queridos amigos”. Embrenhou-se, desde jovem, no convívio das tertúlias de Lisboa, onde encontrou “uma cultura subjacente e um diálogo social”. Tal como refere, as pessoas e as relações humanas estão no centro de tudo e “quando a gente anda metido com vida como eu andei, acaba por ter nos braços uma multidão de coisas, de acontecimentos e emoções...”.
Dos humanistas e intelectuais que moldaram a sua formação e o convívio, valoriza sempre mais a dimensão humana do que as ideias em abstracto, como no caso de Vitorino Nemésio que “sabia muitas coisas, mas, para mim, daquilo que tenho mais saudades é da sua presença afectuosa que fazia de todo o seu convívio, diria de toda a sua vida, um espaço e um tempo qualificado”. Do mesmo modo, Jorge Amado, além de grande escritor, destaca-se, sobretudo, como “um dos poucos homens que se enternecem com a condição humana”. Sobre o poeta Alexandre O’Neill, um dos amigos referenciais, que “escreveu todos os poemas que gostaria de ter escrito”, revela: “tínhamos muitas afinidades e a principal era a de não nos levarmos a sério”.
A vida e o que dela emana foi sempre decisivo, mesmo na relação que tinha com os lugares. As afinidades com a cultura francesa, que o levaram à descoberta do mundo além fronteiras, deixaram-lhe causas e valores, mas também amigos. Das suas sucessivas visitas à grande capital cultural da Europa do seu tempo, refere: “Paris foi uma cidade decisiva na minha vida. Não sou dado a monumentos nem museus: era a paisagem humana que me interessava e que provocou em mim uma viragem total. Acho que em Paris me encontrei comigo e tive a sorte de me ter dado com alguns nomes da inteligenzzia do meu tempo, de quem fui amigo e tenho a impressão de que foram decisivos na minha formação ... ali fiz a via sacra dos intelectuais que, inesperadamente, me recebiam e que me davam uma importância que ainda hoje me admira.”
As grandes causas que defendeu e praticou, da cultura à intervenção política e cívica, envolveram também as relações humanas, a amizade. A “aventura da Morais” e o militantismo cultural no Centro Nacional de Cultura são disso exemplo. Ao longo da vida, António Alçada Baptista foi encontrando afinidades, tecendo a sua teia de cumplicidades e formando a sua tribo. Fez pontes com territórios humanos muito diversos e ligou margens aparentemente impossíveis. A liberdade foi sempre um valor inegociável e as pessoas uma condição da própria existência e realização pessoal e social. Dentro deste quadro de referências, concretizou um projecto de vida e um processo de criação cultural.