UMA CULTURA SOLIDÁRIA
O Centro Nacional de Cultura, ao decidir criar uma página permanente na Internet dedicada a António Alçada Baptista, quis ser fiel a tudo quanto o nosso querido autor da “Peregrinação Interior” nos ensinou com o seu exemplo. O importante não seria a recordação da pessoa, por muito querida que ela nos seja, e é. O fundamental seria manter viva a ideia de que a cidadania se constrói ligando, sempre e intimamente, a liberdade e a ideia de que precisamos dos outros. E o ensinamento da liberdade não pode ser feito sem a relação construída olhos nos olhos. Nada somos sem a outra metade que são aqueles com que nos cruzamos e que não nos podem ser indiferentes. Nada somos sem os amigos que compreendem as nossas palavras e os nossos silêncios. Todos nos lembramos como o António recordava as personalidades do Padre Américo, de Abel Varzim, ou como falava com imensa ternura de amigos próximos como José Rabaça, Alexandre O’Neill ou Jorge Amado. O António era um homem de amizades e de afectos, como gostava de dizer. Mas não há afectos desenraizados. Eles são graciosos, gratuitos, partilhados, amorosos. Pensámos, por isso, nos mais jovens, nos estudantes que precisam de apoio, segundo a ideia de que a solidariedade é sempre fundamental e é um acto de cultura. Que é afinal a cultura senão a capacidade de dizer que os outros não nos são indiferentes e que estamos disponíveis para lhes dar um sinal de que estamos vivos e que podem contar connosco? O António Alçada Baptista deu-nos essa lição de proximidade e de amor. Não poderíamos esquecer o seu exemplo nesta circunstância. Recordo, aliás, um dos primeiros textos que li do António, tinha eu vinte anos, e ele nem fazia ideia que eu era um dos seus leitores. “Creio que a juventude não desgostaria de encontrar de nós alguns exemplos. Se considerarmos útil transmitir-lhes que dois e dois são quatro, também não nos ficaria mal propor-lhes qualquer coisa para lá deste conforto triste e mal gozado que vamos dando aos seus olhos inquietos. A juventude não é aquilo que a gente foi, é muito mais aquilo que a gente poderia ter sido. Naquela encruzilhada está a grande aposta do homem. Era talvez isto que a Rainha, no drama de Schiller, mandava dizer ao Rei: - “Dizei-lhe que saiba respeitar os sonhos da sua juventude!”. O que são os sonhos duma juventude? Julgo que eles têm muito mais a ver com uma generosa abertura à criatividade e à sua alegria do que ao conformismo triste em que todos mergulhámos. Inventar a partir daqui é capaz de ser uma porta de saída para esta questão”. E ficamos muito gratos a António Tomás Correia que acreditou nesta ideia de cultura solidária, em nome de António Alçada Baptista!
Guilherme d’Oliveira Martins