O papel, as letras no papel; uma verdade a alcançar e da qual as letras são mera veste. Como dizer, então, a significação, o impacto do caminho da vida do António Alçada, quando a amizade nos surgiu também em jeito de linguagem e se instalou entre nós pelo silêncio, e pelos gestos, e pelas palavras, numa cerimónia onde coube a força do riso, a doçura das expressões nostálgicas, a porta de passagem para aquilo que (…) sabemos que nos foi prometido (…) mas que ainda nem aprendemos como dizer (…) mas que de tudo isso nos vamos progressivamente aproximando. Esta exortação pelo punho do António, escrita na introdução a um dos meus livros, surgiu-me e surge-me ainda hoje como um segredo prodigioso exposto à lealdade perante nós mesmos.
Inquebrantável para mim, a referência e o contexto em que vivi e vivo os dias que o António, numa leve e superstrutura, comigo partilhou e partilha em generosidade redonda como o seio do mundo.
Em rigor, devo dizer que não pretendo inventariar a luminosidade dos passos ou dos espaços, entre nós cruzados, e que avivaram a revelação de muitos pensares, entre a indecifração da origem e o mistério de muitos antecipados pereceres. Tal como sempre me ensinou o António, a redução à tal vita minima, é uma falta de higiene das ideias.
Desconheço o quanto pode ou sabe este país, reconhecer o movimento de extralucidez provocado pelo mérito do António Alçada Baptista, através, nomeadamente, da sua escrita, pois muitos são os decadentes intrusos na terra de quem os acolhe com o olhar inicial de uma terna anarquia, grata como os xailes de lã da infância de alguns de nós: grata como a temperatura da infância do António, essa que ele tão nitidamente recorda.
Mas, do António Alçada, só sei com toda a certeza as palavras de Alexandre O’Neil:
Quem disse que fui marinheiro?
Aqui declaro a pura verdade:
Esta pá é pá de padeiro
(padeiro de muito enfornar)
e se não fora o ladrão do pão
até gostava de ir conhecer
o mar!
Teresa Vieira