Encontrei-me com o António Alçada Baptista numa altura da minha vida em que, embora já bastante consciente de mim - e, portanto, já a trilhar o meu próprio caminho -, ainda me sentia muito pouco à vontade numa caminhada que, no fundo, cada um tem de fazer por si mesmo.
Havia ainda em mim interrogações, dúvidas, perplexidades, resultantes de uma mente muito activa e frequentemente em conflito com um lado emocional intenso, que me dificultava viver em harmonia quando não apoiada nos valores vigentes na sociedade em que estava inserida, por isso por ela não aprovada.
Não conseguia ainda olhar bem de frente para todo um passado construído a partir de uma forte estrutura genética e culturalmente herdada.
E a convivência ao longo dos anos com o António foi para mim uma das mais decisivas que a vida me proporcionou para eu ir sendo capaz de discernir aquilo que desse passado tinha a ver com a minha essência - e que, ao me mobilizar as energias, me permitia encantar-me comigo e com o mundo à minha volta – e o que, por lhe ser estranho, me afastava do meu centro e, portanto, dificultava a confiança em mim própria.
Da forma mais natural possível – que é a do respeito pelo fluir daquilo que nos vai acontecendo com impacto na história de cada um -, ele teve uma contribuição importante para eu ir expandindo a alegria de ser quem sou e sentindo como isso é, ao fim e ao cabo, o que mais vale a pena partilhar.
De uma forma ou de outra, foram muitas as ocasiões em que nos debruçámos sobre aquilo que para ambos era o mais significativo.
Passando sempre um pouco ao lado do resto que sempre também existe mas que disso nos distrai.
Com mais experiência da vida do que eu, portanto uma sabedoria mais elaborada, o António sempre me estimulou no campo mental mas também no emocional, sem que houvesse conflito entre as nossas respectivas maneiras de pensar e de sentir.
Sempre o vi como um companheiro de vida. Um amigo que está comigo e me acompanha ajudando-me a avançar nesta caminhada terrena, quer as circunstâncias permitam que fisicamente nos encontremos, quer isso não aconteça.
Lembro-me do que ele um dia disse quando me apresentava como sua convidada num programa de rádio: “Temos muitas coisas em comum e conversamos de muita coisa durante as nossas vidas. Temos, além disso, também os dois em comum uma experiência brasileira que nos leva a valorizar muito a alegria. A saber fazer as coisas com prazer, aproveitando aquilo que nos é proporcionado.”
A série de recusas que, na procura de encontrar os meandros da vida, qualquer de nós foi levado a fazer não apagou em nenhum dos dois a vontade de estar na vida de uma forma risonha.
Conversámos sempre – ou essencialmente – sobre a alma humana. O mistério. A transcendência. Aquilo que está para lá dos padrões convencionais. E foi a partir das inquietações que a cada um surgiam que nos ajudámos a nos abrirmos mutuamente as almas de forma a que cada um se descobrisse melhor a si próprio.
Acho que, acima de tudo, fomos sempre interlocutores que, em vez das suas dependências, partilham essencialmente as suas abundâncias. E que o que caracteriza o nosso relacionamento é uma solidariedade com a força da vida em todas as suas manifestações.
Maria José Costa Félix