Os Projectos
Associação para a Liberdade da Cultura
Guilherme d’Oliveira Martins

JOSÉ BERGAMÍN E ANTÓNIO ALÇADA

José Bergamin
1970, photo Jozé Javorsek

José Bergamín (1895-1983), conhecido entre os amigos como Pepe Bergamín, foi um dos grandes ensaístas e poetas espanhóis da geração de 27, ao lado de Jorge Guillén, Pedro Salinas, Rafael Alberti, Federico García Lorca, Dámaso Alonso, Gerardo Diego, Luis Cernuda, Vicente Aleixandre, Manuel Altolaguirre y Emilio Prados. Discípulo de Miguel de Unamuno, fundou a revista “Cruz y Raya” (1933-1936), que seria um dos mais interessantes repositórios do inconformismo intelectual no período republicano em Espanha. Cruz e Raya representava a afirmação e a negação, o mais e o menos, de uma atitude sempre inesperada e desconcertante. Cultor do paradoxo e dos aforismos foi um católico heterodoxo, que teve uma estreita relação com Jacques Maritain, Emmanuel Mounier, Paul Louis Landsberg e a revista “Esprit” no tempo em que a guerra civil espanhola acordou entre os intelectuais cristãos uma reacção crítica, de que chegaram até nós os testemunhos tão diversos, mas tão impressivos, como os de Georges Bernanos (“Les Grands Cemitières sous la Lune”) e Simone Weil. Em 1937, organizou o Congresso Internacional de Escritores, tendo encomendado a Pablo Picasso, nessa ocasião, a pintura “Guernica”. Bergamín e o diplomata republicano José Maria Semprun (pai de Jorge Semprun) foram os elos fundamentais com a intelectualidade europeia (e em especial francesa) no apoio à causa republicana espanhola. A amizade de Bergamín com André Malraux tornar-se-ia um exemplo de solidariedade e de cumplicidade, nas circunstâncias mais difíceis e adversas. Depois da vitória de Franco, Bergamín exilou-se sucessivamente no México, Venezuela, Uruguai e França. No México fundou a revista “Espanha Peregrina”, editou o inédito de Garcia Lorca “Um Poeta em Nova Iorque” e criou a editorial Séneca (1939-1949), onde se publicaram as Obras completas de António Machado e obras de Rafael Alberti, César Vallejo, Federico García Lorca y Luis Cernuda, entre outros. Voltou a Espanha em 1958, mas foi preso por suspeito de ter relações com a oposição ao regime e o seu apartamento foi queimado, pelo que teve de tomar, de novo o caminho do exílio, até por ter assinado em 1963 um manifesto de mais de cem intelectuais de denúncia de torturas e repressão contra os mineiros asturianos. Regressaria a Espanha definitivamente em 1970. António Alçada Baptista conheceu-o na passagem dos anos cinquenta para os anos sessenta em Paris, tornando-se grandes amigos, em especial no âmbito do Congresso para a Liberdade da Cultura, em estreita ligação com Pierre Emmanuel, Jean Marie Domenach e Roselyne Chenu. Bergamin era um inconformista incorrigível. Um dia Maritain disse dele: “Tem a loucura do cristão e a loucura do poeta”. E ele próprio costumava dizer: “o trágico da nossa condição, é fazer mal o bem, e não conseguir fazer bem o bem”. No testemunho da sua grande amiga Roselyne Chenu, o lema de Bergamin atinha-se a três palavras inseparáveis: risco, liberdade e amor. Companheiro de encontros parisienses, sempre conspirativos, António Alçada falava dele com uma enorme ternura, lembrando sempre os seus desconcertantes aforismos, peças essenciais de sabedoria. Oiçamo-lo: “La sensualidad sin amor es pecado; el amor sin sensualidad es peor que pecado”. Afinal, no mundo dos afectos, ambos sabiam que a mulher é o futuro do homem, ou não dissesse Pepe Bergamín que a mulher é a prova absoluta da existência de Deus. «La inteligencia es el "precipitado" de la pasión». “El aforismo es una dimensión figurativa del pensamiento: su sola dimensión”. E, além dos afectos, havia o ensinamento sobre a força do lazer, da preguiça e da liberdade, que ambos prezavam e elogiavam, apesar de não saberem estar quietos e de terem sido sempre trabalhadores incansáveis (para espanto de amigos e colaboradores). “Es admirable todo lo que hacen las hormigas para perder el tiempo”… Torrente Ballester disse justamente de Bergamin: “Era um autêntico paradoxo espanhol”… (GOM).